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QUANDO O COTIDIANO SURPREENDE


Foto: Clayton Rucaly

Era época de frio em Curitiba. O pouco vento que havia se tornava navalhas de gelo, cortando quem se atravesse a sair com o pescoço de fora.


Com os olhos quase fechados, as mãos no bolso e o rosto quase que por inteiro dentro do cachecol, me encantei ao ver tamanha beleza esparramada no chão em cima de um pedaço de pano.


Com tanta gente andando no mesmo sentido a procura de um local para fugir daquele frio, eu parei. Por um momento, não senti minhas mãos congeladas ao apontar para o objeto que mais me chamara atenção.


Eram brincos, pulseiras, colares e até insetos feitos de arame, com tamanha perfeição que deveria tomar o tempo de qualquer pessoa que passasse por ali.


Com meu pensamento longe, quase como um suspiro, pude ouvir um homem de cabelos bagunçados com roupas neutras e largas pouco apropriadas para um dia tão frio como aquele. “Essa é minha arte, você pode ficar a vontade para olhar o que quiser”. Parecia o mesmo discurso de qualquer vendedor do país, mas o que se tornava diferente daquele discurso decorado por profissionais da área, era que aquele homem estava vendendo sua arte.


Naquele exato momento, meu pensamento voou ao pensar no que move o mundo. Ou melhor, as funções que movem o mundo. Estamos tão saturados de coisas sendo impostas a nós que passamos a ignorar o que deveria ser notado. Cansamos de discursos decorados e paramos de ver a beleza naqueles que te oferecem as coisas mais simples.


“Fique a vontade”. Eu realmente me senti a vontade naquele momento, mesmo com o vento cortante em meu rosto, aquele fora um dos momentos em que mais me alegraram naquele dia. Era notável que aquele homem dos cabelos mal ajeitados pudera me proporcionar um momento tão agradável por que ele se sentia da mesma maneira.


Seus olhos sorriam para mim, em suas mãos aranhas enormes de arame. Ele praticamente adivinhara o que mais me chamou atenção.


Ao me despedir, notei que não tinha nada para oferecer aquele artista, toquei nos meus bolsos e me lembrei que o que me restara era o dinheiro de volta para casa. Quando comecei a me preocupar por perder tempo daquele homem e não lhe oferecer nada em troca, ele me disse com seus olhos sorridentes, “Não tem problema moça, ninguém para aqui por acaso, espero ter feito diferença no seu dia”.


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